Yuki-onna (雪女 mulher da neve) um youkai encontrado no folclore japonês. Uma figura muito comum em animação, mangá e na literatura japonesa.

Segundo o folclore, as Yuki-Onna cantam para seduzir os homens, fazendo-os se perder nas nevascas e morrer congelados. Frequentemente elas aparecem na forma de mulheres belas, jovens, alta e bonita, com longos cabelos negros e lábios vermelhos (ou azulados). Sua pele pálida, quase transparente, mistura-se com a paisagem branca da neve, como descrito no famoso “Lafcadio Hearn’s Kwaidan” (Histórias e Estudos de Coisas Estranhas). E em muitas lendas elas se apaixonam por homens e se aproximam deles, casando-se e constituindo família, tendo filhos, inclusive. Entretanto, a história de amor sempre finda com o desaparecimento dela num dia de maior bruma ou de tempestade, provavelmente quando o chamado de seu mundo se torna mais forte.

 

Até alguns anos atrás, se acreditava que ela era presságio de má. No entanto, acredita-se atualmente que ela protege quem se perde na neve. Na Prefeitura de Iwate, dizem que ela aparece na Véspera do Ano Novo.

Ela às vezes usa um quimono branco, mas outras lendas descrevem-na completamente nua, com apenas os cabelos sobre o rosto e os pés contra a neve.

Imagem: Yuki-Onna para o Hyakkai-Zukan de Sawaki Suushi (1737)

 

Apesar de sua beleza desumana, seus olhos podem causar terror aos mortais. Dizem que ela flutua pela neve, sem deixar pegadas, apenas um rastro de neblina ou neve. Em alguns contos, ela não possui pés, uma característica de muitos fantasmas japoneses, podendo se transformar em uma nuvem de névoa ou neve se ameaçada.

Algumas lendas dizem que Yuki-onna é o espírito de uma mulher que morreu em uma nevasca e, devido a isso, ela é sempre associada às tempestades de neve e a causadora das fortes tormentas de inverno.

 

Ao mesmo tempo em que é bela e serena, pode ser extremamente cruel, matando sem piedade os inocentes indefesos nas tempestades de neve. Até meados do século XVII, ela foi quase uniformemente retratada como o mal. Hoje, porém, muitas vezes as histórias a retratam como mais humana, enfatizando sua natureza como um fantasma de beleza efêmera.

 

“Yuki-onna e o jovem Minokichi”

De Lafcadio Hearn Kwaidan de 1904

Contam que há muito tempo atrás, em uma pacata aldeia da província de Musashi, viviam dois lenhadores, Mosaku e Minokichi. Mosaku era um velho ancião e Minokichi, seu filho e aprendiz, era um belo jovem de apenas dezesseis anos de idade. Todos os dias eles saiam juntos para caçar coelhos e outros pequenos animais na floresta situada cerca de cinco quilômetros de sua aldeia.

No caminho para a floresta existia um largo rio e um barco para atravessá-lo. Várias vezes uma ponte foi construída no local, mas a ponte sempre era levada por uma enchente. Nenhuma ponte comum poderia resistir à correnteza do rio quando ele subia.

Numa noite fria de inverno, Mosaku e Minokichi estavam a caminho de casa, quando uma grande tempestade de neve alcançou-os. Era uma tempestade de neve tão forte que ofuscava a vista, impedindo que encontrassem o caminho para fora da floresta. Eles andavam na floresta às cegas em meio à tempestade branca e congelante, que os castigavam.

Chegando até a balsa, descobriram que o barqueiro tinha ido embora, deixando o barco do outro lado do rio. Não era dia para arriscar o nado; felizmente, conseguiram avistar uma cabana através da nevasca, era a cabana do barqueiro.

 

A cabana, localizada no alto de uma montanha, era pequena e encontrava-se em total estado de abandono. Estranhamente não havia lareira e nada que pudesse fazer uma fogueira, era só uma cabana de dois tatames, com uma única porta, e nenhuma janela. Contudo, estavam conformados, pois ela lhes serviria de abrigo apenas por aquela noite ou até que cessasse a tempestade.

Mosaku e Minokichi prenderam porta, e deitaram-se para descansar, com os casacos de palha de chuva sobre eles. No início, eles não sentiram muito frio; e eles pensaram que a tempestade iria acabar em breve. Mas no decorrer da noite, a intensidade da nevasca e a umidade de seus casacos os faziam tremer encolhendo-se para amenizar o frio congelante.

O velho pai caiu em sono profundo logo após deitar-se, mas o jovem Minokichi permaneceu acordado, ouvindo o vento que assobiava através das velhas tábuas soltas da cabana, que balançava e rangia com a tempestade. Porém, apesar do frio e barulhos assustadores, ele foi vencido pelo cansaço e conseguiu adormecer.

De repente, Minokichi foi despertado após sentir a neve caindo sobre o seu rosto. Quando abriu os olhos viu a porta escancarada, que ele e seu pai tinham lacrado para evitar que o vento frio e a neve invadisse a pequena cabana. Foi quando ele avistou uma estranha figura em pé sob o luar. Era uma mulher trajada em um esvoaçante kimono branco.

A mulher estava debruçada sobre o seu pai, que estranhamente continuava a dormir enquanto ela inspirava e expirava o ar sobre Mosaku. Sua respiração era como uma fumaça branca e cintilante. Momentos depois, ela subitamente virou-se para Minokichi e inclinou-se sobre ele, que, apavorado, tentou gritar, mas descobriu que não conseguia emitir um único som.

A mulher, de pele extremamente branca, foi curvando lentamente sobre ele, parando somente quando suas faces quase se tocaram. Ela era extremamente bonita, mas seus olhos possuía uma cor estranha, assemelhando-se a um amarelo dourado, que brilhava a ponto de ofuscar a vista. 

Minokichi estava apavorado enquanto ela o olhava fixamente. Depois de alguns momentos, a mulher virou-se até o ouvido do jovem e sussurrou: “Eu sou a Bruxa da Neve e estava pronta para matar-lhe, mas reparei em sua jovem beleza e resolvi deixá-lo viver. Porém, o farei com a condição de que você jamais diga a ninguém, nem mesmo a sua própria mãe, o que presenciou aqui. Caso o faça, eu te acharei e te matarei. Nunca se esqueça deste aviso”.

Após estas palavras, ela virou-se e flutuou até a porta, desaparecendo por um rastro cintilante através da neve.

Assim que desapareceu, Minokichi rapidamente levantou-se e correu até a porta, de onde ele olhou na tentativa de vê-la, mas ela estava longe de ser avistada, ainda mais com a tempestade de neve, que continuava em seu auge e invadia a velha cabana através da porta aberta.

O jovem, que parecia estar em transe, rapidamente recobrou a consciência e fechou a porta, firmando seus pensamentos sobre o que a Bruxa da Neve havia lhe dito. Porém, ele começou a questionar-se sobre o ocorrido, ponderando sobre o que presenciou pudesse ter sido um mero sonho. “Talvez a Bruxa da Neve seja um fruto de minha imaginação”, pensou Minokichi.

Após esses pensamentos reconfortantes, caminhou em direção ao seu pai e o chamou, mas o velho Mosaku não respondia. Então o jovem tocou o rosto de seu pai e constatou que estava completamente gelado. O velho Mosaku havia morrido.

Ao amanhecer, a tempestade de neve havia cessado e o jovem se viu obrigado a triste tarefa de arrastar o corpo de seu pai congelado até a vila. Ele ficou tão arrasado com a morte de seu amado pai que permaneceu doente por um longo tempo.

Contudo, as palavras da bruxa se faziam presente ecoando em sua mente. Minokichi, temendo que a bruxa voltasse para matá-lo, manteve segredo sobre o ocorrido na noite em que seu estimado pai faleceu, incluindo sua mãe, a quem ele tanto se dedicava, pois temia que o fantasma da bruxa também a matasse. A polícia presumiu que o velho Mosaku morreu devido ao frio da neve e nunca mais lhe fez qualquer pergunta.

Tempos depois, após restabelecer a saúde, Minokichi voltou a caçar na floresta. De qualquer forma, ele tinha o dever de colocar comida em casa. Mas agora estava sozinho, sem a ajuda de seu estimado e falecido pai.

Contudo, ele ainda temia a Mulher da Neve, então passou a voltar da floresta antes do cair da noite, sempre com os coelhos que caçava para a sua mãe cozinhar.

Um ano depois, no meio do inverno, quando estava a caminho de casa, Minokichi conheceu uma jovem. Ela era alta, magra e muito bonita. Enquanto caminhavam juntos em direção ao seu vilarejo, eles começaram a conversar. A jovem disse que seu nome era O-Yuki e que havia perdido seus pais recentemente. Ela estava a caminho da casa de seu tio, onde esperava viver por um tempo até que pudesse encontrar emprego para poder sustentar-se.

Minokichi sentiu-se muito atraído pela estranha, porém bela jovem, que por sua vez também pareceu atraída pelo rapaz. Então, por algumas semanas, eles passaram a encontrar-se no mesmo local em que se conheceram e acabaram por se apaixonarem.

Certo dia, Minokichi perguntou se O-Yuki aceitaria jantar em sua casa para que ela pudesse conhecer a mãe do jovem. Depois de alguma hesitação, ela aceitou o convite. A mãe do jovem a achou muito bonita e amável. Pouco tempo depois eles se casaram e O-Yuki foi morar na casa do rapaz.

Um ano depois, quando a mãe de Minokichi faleceu, suas últimas palavras foram de carinho e elogios para a esposa de seu amado filho.

Logo após a morte da mãe de Minokichi, sua adorável esposa passou a engravidar consecutivamente. O casal teve muitos filhos. As crianças chamavam a atenção por serem muito bonitas, todas tinham a pele clara como a neve. 

As pessoas da vila achavam O-Yoki uma pessoa maravilhosa por natureza, diferente da maioria das aldeãs, que envelheciam mais cedo. Mas O-Yoki, mesmo depois de tornar-se mãe de dez filhos, parecia tão jovem como no dia em que chegara à aldeia.

Certa noite, depois que as crianças tinham ido dormir, O-Yoki estava costurando sob uma lamparina com armação de papel de arroz. Então Minokichi, que a observava com os olhos cheios de ternura, lhe disse:

“Vendo você assim, costurando enquanto a luz ilumina seu belo rosto, fez-me lembrar de algo muito estranho que me aconteceu quando eu era um rapaz. Eu vi alguém tão linda e branca como você está agora. Na verdade, ela era muito parecida com você.”

Sem levantar a cabeça ou tirar os olhos de sua costura, O-Yuki perguntou:

“Diga-me como ela era… Onde você a viu?”

Então Minokichi contou-lhe sobre a terrível noite na velha cabana abandonada. Também contou os detalhes sobre a mulher branca sussurrando em seu ouvido e sobre a morte silenciosa de seu pai. Depois ele disse:

“Se estava dormindo ou acordado, eu não sei, no entanto, foi a única vez que vi um ser tão bonito como você. Porém, é claro que ela não era um ser humano, eu senti muito medo dela. Muito medo mesmo. Mas ela era tão branca. Na verdade, eu nunca tive a certeza se aquilo foi um sonho ou se realmente era a Mulher da Neve.”

Assim que o marido terminou de contar a estanha história, O-Yuki jogou a costura ao chão, levantou, inclinou-se sobre ele e gritou em seu rosto:

“Fui eu, eu! Eu era a Yuki, eu sou a Yuki! Eu lhe disse que iria matá-lo se dissesse algo sobre isso! Mas, por causa daquelas crianças que estão dormindo, eu não irei matá-lo neste momento. E de agora em diante é melhor você tomar muito, mas muito cuidado com eles, pois se alguma vez, por qualquer motivo ou razão, você maltratá-los, eu irei tratar você como merece!”

Mesmo quando gritou, sua voz era tênue e fina, como um choro de vento. E logo após dizer-lhe aquelas tristes palavras, ela se derreteu em uma névoa branca e cintilante, que evaporou por entre o telhado. 

Desde então, Yuki-Onna nunca mais foi vista na aldeia, pois Minokichi sempre foi um pai dedicado e extremamente amável para com os seus dez filhos.

 

 

 HEARN, Lafcadio. Kwaidan Contos do Sobrenatural, 2014. Editora: NSP.